30 de novembro de 2007

Sfez e a tecnologia


Lucien Sfez ministrou palestra no PPGCOM da UFRGS no dia 28. O sociólogo francês, que visita o Brasil como convidado do PPGCOM da PUC-RS, é conhecido pelos trabalhos na área de Sociologia da Comunicação. Entre os livros já publicados no Brasil, estão “Crítica da Comunicação” (Loyola), “A Comunicação” (Martins) e “A saúde perfeita” (Loyola).

Em sua fala na UFRGS, Sfez buscou polemizar a relação técnica versus tecnologia. Segundo ele, a tecnologia é uma narrativa, até mesmo uma ficção. Para ilustrar o desenvolvimento de sua idéia, o sociólogo salientou os resultados de uma pesquisa realizada com funcionários da FranceTelecom, empresa de telecomunicações francesa. Nas entrevistas, os funcionários relataram as representações que percebem entre a sociedade e a técnica (tecnologias, em um sentido amplo): de segurança à convivência familiar e o amor, as declarações dos técnicos promovem a visão de uma sociedade unida apenas pela tecnologia; onde as crianças se destacam – porque dominam cada vez melhor as ferramentas técnicas e podem ajudar a desenvolvê-las; onde os excluídos têm o dever de buscar sua inserção no universo tecnológico; onde as artes e o esporte são virtuais; onde a crítica social é cada vez mais reduzida – as discussões sociais são centradas na máquina e seu fraco desempenho.

É a partir desse exemplificativo universo discursivo, o dos técnicos da FranceTelecom, que Sfez desenvolve a estruturação de sua idéia. Em um primeiro momento, o sociólogo propõe uma diferenciação entre a técnica e a tecnologia. Neste sentido, os domínios da técnica são aqueles dos próprios objetos técnicos – identificáveis, descritíveis – como computadores, aparelhos celulares, automóveis. Já os domínios da tecnologia são vinculados, antes sim, ao domínio do discurso. A tecnologia é entendida aqui como o discurso sobre a técnica – que tanto descreve como suporta e vulgariza os objetos, fazendo parte da base de sua invenção.

Uma segunda categorização pretendida pelo pesquisador diz respeito à diferenciação entre Ideologia e Utopia. Para ele, o discurso ideológico é aquele que tem pretensão científica, aplicando à vida social os resultados de pesquisas. Como exemplo, Sfez salienta sua obra “A Saúde Perfeita”, na qual estuda os discursos retóricos acerca do genoma. Ele discute a relação entre o pesquisador e seus resultados, insistindo que, não raras vezes, suas interpretações não levam em conta as demais organizações que compartilham destas esferas, como a própria sociedade ou a história – são os resultados que levam os pesquisadores à “filosofar”. No discurso sobre as tecnologias da comunicação acontece o mesmo, diz Sfez.

Em contrapartida, há a formulação do discurso utópico. Para a organização deste pensamento, o sociólogo francês propõe analisarmos os discursos tecnológicos a partir de uma série de marcadores literários – visto que seriam estas as marcas perceptíveis do discurso utópico sobre a tecnologia:

  • ISOLAMENTO: a idéia da ilha, o separado do resto do mundo. Como exemplo, cita o caso de Brasília, uma cidade utópica: os distantes bairros da cidade seriam pequenas ilhas que estão em uma ilha maior, chamada Brasília.
  • PLENO DOMÍNIO DO NARRADOR SOBRE A NARRATIVA: este segundo marcador se caracteriza, em um exemplo prático, na ilha utópica de Thomas Moore, impossível de ser graficamente representada em razão de seus contrastes em cada momento da narrativa. Segundo Sfez, esse elemento de domínio narrativo, permitido no ficcional, também ocorre em outros discursos acerca da tecnologia.
  • HIGIENE, TRANSPARÊNCIA, LEGIBILIDADE: neste caso, as cidades são construídas em ângulos retos, cada coisa tem seu lugar, as praças são postas em determinados pontos. Como exemplo, ele cita os jesuítas, que, ao destruírem as ocas circulares dos índios, os compartimentaram em cidades com ângulos retos, uma referência à matematização da ciência gerada a partir deste discurso tecnológico.
  • PREDOMINÂNCIA DA TÉCNICA: a técnica é vista, enfim, como aquela que resolve todos os problemas.
  • RETORNO ÀS ORIGENS: mesmo que essa origem seja fictícia. Neste ponto, Sfez retoma o exemplo dos jesuítas, que, segundo ele, eram utópicos, e a catequização como uma esfera de encontro dos índios com uma origem primeira, a cristã.

Esses marcadores são presença constante nas ideologias biotecnológicas e também em algumas análises da própria comunicação, formando um universo discursivo utópico acerca da técnica – o discurso tecnológico. Para Lucien Sfez, desta forma, os usos escondem as coisas e a técnica não é apenas o que pensamos que é, mas é também um discurso, uma narrativa e, às vezes, mesmo uma ficção.

(Laura Storch)

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